quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Capítulo 12: Aqueles que refletem a beira mar

O MAR ESTAVA LINDO A LUZ DO SOL POENTE.

O sol desaparecia no horizonte e refletia de forma magnífica a superfície do Jônico, um mar de águas escuras que ficava cada vez mais belo com o passar dos anos. A beira mar, um homem vestindo uma longa túnica branca de detalhes sutis conversava sentado numa pedra com um segundo homem, vestido da mesma maneira. Eles olhavam o mar e o sol poente. Esperavam por algo, ou algo por eles esperava. Seus olhares eram calmos, a respiração tranquila. O homem sentado, de longo e belo cabelo loiro se manifestou.

– Dizem que depois da Ilha de Creta, próximo ao continente ao sul, pode-se mergulhar nesse belo oceano e encontrar a lendária Atlântida, a cidade santuário dos guardiões dos mares, homens e mulheres cobertos por escamas chamados Marinas de Posseidon.

– Já ouvi falar – respondeu o outro, entediado.

– Anime-se, Orrin de Cão Menor. Não estou aqui para protegê-lo. Sabes que o trabalho a ser feito será difícil, e como pretende recuperar a qualquer custo a sua honra supostamente despedaçada, é bom que eu esteja aqui para conter suas emoções. Entretanto, temos a mesma missão.

Orrin olhou para o seu companheiro, Serafim de Taças. Não costumavam se falar, mas depois do ocorrido no Santuário há alguns dias passaram a conversar mais. Tanto que o Grande Mestre os enviou juntos em uma missão. Entediado, Orrin refletia. Parece que tudo foi armado. Preciso recuperar algo que me foi tirado, mas sozinho. Não vejo como Serafim possa me ajudar. Ele não cura almas, apenas corpos.

Desde que havia perdido em seu último duelo, Orrin andava cabisbaixo e pensativo. Achava que havia perdido algo importante, parte do seu ser e dignidade. Convencendo-se cada vez mais que esse fato é verídico, passou a desejar por missões para provar que ainda tem sua utilidade para o Santuário. Servir de isca e ainda ser quase morto o deixou transtornado com a possibilidade de não ser útil para a proteção de Atena, incapaz de cumprir o seu dever como cavaleiro. Por fim, essa grande quantidade de sentimentos se mesclou ao ponto de Orrin desejar vingança contra aquela que o causou todo esse mal, pensando, assim, que abandonaria essa dor.

Serafim estava sereno, o que é do seu costume. Sempre considerado um ser de alta índole e respeito, era admirado pela sua paciência, beleza e sabedoria. Aninhando uma mecha do cabelo em uma orelha, continuou a observar o movimento do mar, cuja maré diminuía lentamente. Orrin não sabia como alguém podia se manter tão calmo. Sua missão era combater um demônio terrível, e mesmo assim nada o abala. Deve ser porque é o único discípulo de Delfos. Todos conhecem lorde Delfos como sendo uma pessoa misteriosa e serena. Serafim herdou um pouco dessas características.

Orrin desviou o olhar de Serafim e passou a observar o mar atentamente. Sabia que o perigo viria dele e queria estar preparado. Entretanto, perdeu-se em pensamentos. Aquela amazona é uma ótima guerreira, mas não entendo por que não pude derrotá-la. Fui humilhado, manchando minha honra de cavaleiro. Preciso recuperá-la ou morrer tentando, é a única maneira. Preciso entrar em um novo confronto contra ela e desta vez derrotá-la… O pior é que não sei o porquê disso me perturbar tanto. Não creio que seja por ela ser uma mulher. Somos treinados para ignorar as diferenças sexuais. Mas o que será este sentimento? Apenas vingança? Suas dúvidas o abandonaram após pensar profundamente naquela palavra. Sim, vingança. Não há sentimento mais intenso e que melhor explique o que sinto.

A noite chegou rápido. A maré estava cada vez mais recuada. O sol já havia se posto e um último raio relutava em abandonar o horizonte. Era questão de poucos minutos agora, mas Orrin só saiu de seu transe quando ouviu a voz de Serafim.

– Sabe, uma vez me lembro de ter lutado contra um monstro chamado Ibmuz. Era horrivelmente feio, decadente e emanava um terrível cheiro de enxofre de sua boca que respingava ácido. Era um monstro muito poderoso, mas eu sabia que poderia derrotá-lo, e o fiz. Entretanto, quando ia deixar o local, o monstro se reergueu, com um aspecto ainda mais degradante. Mais uma vez o pus abaixo, mas ele retornou a ficar de pé. Então notei que quanto mais o destruísse mais ele se recuperava, e ficava mais forte quando o fazia. Minha fúria não adiantava nada, era como se absorvesse meu sentimento a seu favor. Pensei que fosse impossível derrotar aquela criatura, pois nada que tentasse funcionava contra ele. O demônio já estava em sua décima reencarnação quando se tornou indestrutível para o meu poder reduzido pelo cansaço. Havia duplicado o tamanho de seu corpo demoníaco em decomposição. Seu poderoso sopro ácido destruiu todo o resto do meu ser, e minha armadura não brilhava mais com a mesma intensidade. Foi quando busquei dentro de mim a solução para destruir o monstro. Enchi o meu coração de esperança e transferi toda essa energia para um último ataque. Todo o meu ser estava naquele ataque, e eu o lancei contra a besta. Ataquei-o com o meu Holy Breeze.

– Você usou no monstro a sua técnica de cura!? – Orrin estava pasmo com o que ouviu – Mas isso deveria curar o monstro ao invés de destruí-lo?

– Não, senhor Orrin. Não o curei, não fisicamente. Como eu disse, pus todo o meu sentimento em meu ataque, desviei para ele todo o imenso amor que possuo e completei com esperança, o ingrediente essencial para derrotar qualquer inimigo. Todo o cosmo que ainda possuía se expandiu de tal maneira que ultrapassei meus limites. O cosmo é nada além de amor e esperança. Sentimentos. Um monstro criado para o mal e com sua essência corrompida pela maldade não receberia o meu ataque da mesma maneira. Meu ataque curou o monstro espiritualmente, destruindo a sua essência maligna.

– Incrível! – respondeu incrédulo.

– Não o contei isso para que me admirasse, senhor Orrin. Já possuo admiradores demais, isso sem desejar. Digo-o isso porque não preciso ter poderes curativos para afetar o interior das pessoas. Palavras já me são suficientes. – desviou seu olhar do mar para os olhos de Orrin – Apenas quero que saiba que não é preciso nada além de esperança e amor para curar o que sente. Esse é o maior remédio para todos os males.

Os cavaleiros se olharam por um tempo. Uma troca de olhares calmos e cheios de sentimentos: respeito e amizade. Orrin foi quem desviou o olhar, vendo o mar mais uma vez e refletiu, absorvendo as palavras de Serafim. Respirando fundo, olhou para seu amigo.

– Obrigado… – suas palavras soaram tranquilas, no mesmo nível que as de Serafim.

– Não há o que agradecer, nem algo a se dar em troca. Apenas quero voltar para casa e cuidar dos meus afazeres cotidianos. Não gosto de lutar, apenas de ajudar. Foi por esse caminho que escolhi trilhar… – terminou a frase quase sem fala, com um pouco de remorso entre as palavras.

Orrin notou o sentimento de Serafim, e passou a desejar o mesmo: voltar para casa. Queria parar e refletir, mas sabia que se fosse possível seria por pouco tempo. Agora entendi o porquê de o Grande Mestre ter escolhido Serafim, entre outros cavaleiros de prata, para essa missão. E agradeceu.

A calmaria logo se tornou tempestade. Mar adentro havia algumas pedras encobertas pela água, mas agora mostravam sua superfície devido o recuo da maré. Os dois cavaleiros logo notaram a presença de um ser poderoso, ao mesmo que ouviram um triste canto feminino. Ambos se puseram de pé, observando o mar escuro. Mais à frente, puderam notar a presença de uma sombra diferente. Ao se aproximarem mais, a água cobrindo seus joelhos, eles avistaram uma bela donzela que estava a cantar uma triste e tranquila canção. Era quase um pedido para que adormecessem.

– Sua canção não funcionará conosco Siren . Sou Serafim de Taças, senhor da constelação da proteção sagrada, guardião da cura no Santuário.

– Eu sou Orrin de Cão Menor, guardião da noite no Santuário.

– Sei que podes nos entender. Temos a missão de te destruir devido teus atos terríveis contra os pescadores locais. Tens atraído muita atenção aos olhos do Santuário, por isso ganhou o crédito de ser destruída pelos cavaleiros sagrados de Atena. Prepare-se!

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